sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Memórias Póstumas de Um Suicida. Parte 4 - Conto

 Memórias Póstumas de Um Suicida #4

Aaah caro caríssimo.
Essa é a última missiva.
Como você notou, minha vida foi curta.
Então, vamos terminar de contá-la.

Vamos dar um salto no tempo?

35 anos.
Mudança de casa.
Quer dizer, eu me mudei.
Separação.
A Boneca quis a estabilidade de alguém menos paranóico que eu.
Bom pra mim, bom pra ela.
Não aguentava mais olha pra cara dela.
Casa nova.
Menor, no Centro.

(...)

39 anos.
Realmente estou na merda.
Fodido.
Falido.
Drogado.
É, de novo.
"Se essa rua, se essa rua fosse minha.
Eu pegava, eu pegava todas as pedras.
Pra eu fumar, pra eu fumar, pra eu fumar.
E me acabar nessa merda de pedrinha."

41 anos.
Sem casa.
Sem família.
Sem nada.
Só um cobertor nas costas e uma vida pesando nos joelhos cansados.
Lugares feios.
Vidas horríveis.
Tão horríveis quanto a minha?
Não sei.
Só sei dos meus demônios.
Mais uma pedra.
Esquece.

42 anos.
Cansei disso.
Dessa dor.
O agióta já bate em minha porta cobrando o preço pelos erros cometidos.
Tento ir em direção à ele uma vez, ele nega falando que não era a hora de ir.
Bem.
Foda-se.
Mais uma pedra.
Esquece.

43 anos.
Volto à minha antiga casa.
Aquela da Boneca.
Com o jardim japonês.
Os novos moradores destruíram aquela merda.
A Boneca de Porcelana vendeu a casa.
Estão reformando.
Vejo a varanda.
Vejo os conduites no chão.
Isso será rápido penso eu.
Pego uma escada que tinha ali por perto.
Subo a escada.
Amarro os conduites.
Enrolo eles no pescoço.
Mais uma pedra pra fortalecer.
(...)

Bom o resto você conhece caro caríssimo.
Já sabe que fui encontrado amarrado aos conduítes.
Eu já te contei essa parte da história.
Então.
Eu me despeço aqui.
Essa missiva é a última.
Ela foi escrita um pouco antes de eu subir a escada.
Eu armei tudo. E fui deixar o livro com a Boneca.
Ela se espantou em me ver daquele jeito.
Mas ela sabia que deveria pegar todos os meus livros e guardá-los.
Foi um pedido que eu havia feito quando nos separamos.
Se tudo afundasse, que ela pegasse meus livros e os guardasse.

E é aqui que eu me despeço meu caro carissimo.
Até breve.
Que o agióta demore para vir lhe cobrar de teus pecados.

5 comentários:

  1. que dizer mais dessa obra?
    fechou com chave de ouro.

    Aplausos de pé!

    ResponderExcluir
  2. Puts, não poderia terminar melhor!
    Adorei mesmo!
    Cada parte, cada detalhe, o jeito de contar. O JOGO de contar; perfeitos!
    Parabéns menino.

    ResponderExcluir
  3. Aplausos de pé!²

    O meu agióta me persegue na escuridão da noite, e de dia suga as minhas forças.

    Maravilhoso cara, foi uma viagem louca e intensa esses seus textos!

    ResponderExcluir
  4. haha eu jurava q ele não iria chgar aos 40, um bom final, apesar que amarrado aos conduítes me lembra a pedreiragem não sei pq.

    ResponderExcluir
  5. Foda demais velho, muito bom, demorei pra ler, mas valeu a pena, muito mesmo, parabéns, ficou foda, foda, foda.

    Aplausos de pé!³

    ResponderExcluir