sexta-feira, 27 de abril de 2012

A Praça

Me deu uma vontade louca de escrever aqui.
Não tem um Que, muito menos um Por que.
Apenas vim rabiscar nessas linhas tortas sobre coisas da minha vida.

Andava há muito tempo numa praça.
Uma praça vazia, com bancos vazios.
Não haviam pombos, pois não havia ninguém para alimentá-los.
Não havia água nos bebedouros, pois os encanamentos estavam quebrados.
Não havia barulho, nem cantoria, nem murmuro, pois os pássaros já não cantavam mais, as árvores secaram e o vento parou de sussurrar para as folhas.

Eu andava nessa praça.
Sentando em seus bancos antigos que rangiam.
Procurando um jeito de trazer pombos, pássaros, ventos e folhas pra'quele lugar.
Procurando um jeito de olhar o Sol castanho iluminar a clareira da praça.

Olho o saco de migalhas na minha mão.
Olho o chão limpo.
Ninguém realmente vem pra cá.
Olho pra mim.
Uma calça jeans velha, meio desbotada e meio rasgada.
Uma camiseta meio laranja, meio ocre.
Um sapato marrom, meio surrado, meio rasgado.
Uma porção de meios em mim.

Levanto daquele banco que range.
Estico o corpo.
Ouço o barulho de cada junta da coluna estalando.
Olho para o saco de migalhas.
Despejo ele ali, no chão.
Viro as costas e saio.
Impressionante como eu sei virar as costas e não olhar mais pra trás.

Me aproximo do final da praça e escuto, bem baixinho, o ruflar de uma asa, o chilreio de algum pássaro de pequeno porte.
Não me viro, não olho pra trás, mas sei que agora, aquela praça, possa, talvez, gerar novas vidas.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Falta tanta Sobra

Falta tanta sobra entre nós.

Sobra tanta coisa na minha memória, como todos os seus sorrisos.
Sobra tanta boa sensação em cada brilho dos seus olhos.
Falta tanto tempo no relógio pra ficar com você.
Sobram tantas outras boas horas que podemos ficar juntos.

Falta tanta coisa pra dizer, mas sobra tanta coisa que eu tenho pra mostrar.

Sei lá se o que me deu foi dado, mas o que eu dei, já não me pertence mais.
Sei lá se o que me deu já é meu, mas eu guardo, protejo e cuido como se fosse.

Eu só quero que você saiba que falta espaço pra colocar tudo que sobra de nós.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

A fuga

O buraco ainda tem aquela fresta.
Ainda existe aquela passagem de ar.
Por ali ainda passam vestígios de luz.

Com seus passos pesados e sua respiração forçada, ele se aproxima da porta.
Ele primeiro encosta o ouvido.
Apenas um único ruído.
Ele nunca ouviu esse barulho.
Ele não sabe precisar o que é de fato esse barulho.
Ele olha pra trás, com a indagação plantada em seu rosto.
O Outro também não sabe o que é.

Hyde está indeciso.
Ali parado na porta aberta, ele pensa em sair.
Jeckyll, mais receoso, fica ali atrás.

Com sua mão firme, Hyde abre a porta do buraco.
E vê o mundo fora pela primeira vez.
Ele consegue ver os raios do Sol chegando no solo.
Ele consegue ver os ácaros flutuando no ar.
Ele consegue ver onde está.

É um quintal.
Grama verde, uma rede.
E o mesmo ruído ao longe.

-Venha Jeckyll, não tem nada aqui fora. Só esse barulho estranho. - disse Hyde com a mão pra dentro do buraco

Jeckyll, mais receoso, segura na mão de Hyde e se deixa levar.

-Esse é mesmo o lado de fora Hyde? - disse Jeckyll espantado.
-É sim Jeckyll - Hyde diz enquanto solta da mão de Jeckyll e respira fundo.

O barulho, aquele ruído, continua vindo.
Dessa vez eles reconhecem a origem do barulho.
Vem dos fundos da casa.

A cada passo que dão, mais alto fica o barulho.
Falhada, estridente.

-Hyde, isso é uma risada. Eu li isso em algum dos meus livros - Jeckyll, como sempre, ensina Hyde.

Quando chegam, se espantam.
A Voz está lá.
Com outra sombra.
Outra forma junto a ele.
Encostada em seu peito.
Enquanto riem de alguma piada dita.

A Voz vê os dois.
Os dois encaram a Voz.
A Voz sorri para eles e os convida pra sentar.
Hyde ameaça ir, porém Jeckyll o segura e balança a cabeça.
A Voz entende e sorri.
Entende que eles não precisam estar ali.
Eles não precisarão se esconder mais no porão e não precisam ficar presentes.

Hyde e Jeckyll saem.
Com seus passos pesados e leves.
Seus ombros arqueados e a cartola de Jeckyll arrumada.
Ambos saem.
E deixam o barulho do riso preencher o dia.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

O Conto Que Aumenta um Ponto

Venho por meio desta, caros amigos, lhes dizer como um ponto aumenta a cada conto dito por outro alguém.

Tudo aconteceu em meados de... Ah, parei com a palhaçada de datas.
Basta vocês saberem que, o que for contado aqui, aconteceu há alguns anos.
Basta vocês saberem que, o que for contado aqui, se passou em outra época.
Talvez seja uma história minha.
Talvez seja uma história de outros.
Mas é uma história.
E a mim, cabe a responsabilidade de contá-la.

Calma jovem!
Você quer saber o porque cabe a mim contá-la?
Leia o conto meu jovem.
Leia e entenda.

O que se passa aqui é um relato.
Um relato que diz respeito ao poder de dissimulação.
Um relato que diz respeito ao poder de pontuar uma história.
Erroneamente.

Ela vinha sempre alegre.
Porém, em cada passo trôpego, eu via as manchas de seu rímel escapando pelo seu queixo.
Ela vinha sempre sorrindo.
Porém, em cada trago de seu cigarro barato, eu via o sorriso amarelo, a máscara de seu teatro caindo.
E sempre pedia uma dose.
Do que de mais forte ela pudesse tomar com os poucos trocados que ela tinha no bolso.

A vi tragando o cigarro e, antes de soltar aquela fumaça branca, ela entorna o líquido, meio amarelado de seu copo.
A vejo segurando a bancada desse bar.
Acho que a dose foi muito forte para ela dessa vez.
Ela senta no banco.
O banco range e bamboleia.
Típico banco redondo de boteco.

E fico ali por horas.
Apenas observando ela e seus copos.
Apenas observando ela e seus cigarros.
Apenas observando ela e sua máscara.
Meio torta, meio caída, meio desmantelada.
Tudo de meio.
Meio alegre, meio triste.
Meio forte, meio fraca.

No meio de toda essa análise, os nossos olhares se cruzam.
O que ela vê?
O que ela entende?
O que ela observa?
Eu vejo o rímel continuar a escorrer.
Eu vejo a garganta dela subir e descer enquanto a bebida adentra em seu corpo.
O pulmão enchendo com a fumaça nicotinada de seu cigarro de 2 reais.

Eu levanto.
Cansei desse canto escuro.
Olho ao meu redor.
Os papéis de parede desgastados.
É o meu ambiente favorito.
Ela continua a me olhar.
Me encarar.
E eu saio do bar.

Sento num banco de uma praça qualquer.
Qual é o conto dessa mulher?
Quando um conto tem sua pontuação?
Cada gota de rímel manchado que caía, era um ponto em sua história.
Um ponto final.
Um ponto que declarava o fim de seu conto.
O conto de fadas mais velho.

Não meu jovem, não cabe a mim contar os segredos de travesseiro daquela mulher.
Não cabia a mim desvendar e despontuar todos os pontos de seu conto.
Cabe a mim e só a mim, pontuar esse conto.
O conto sobre uma máscara de teatro manchada, um pulmão inalando nicotina e o alcóol em seu suor.

O Retorno do Homem de Lata à Oz

As peças de puro alúminio refletem a luz do sol.
Os pés, duros e metálicos, batem nos tijolos amarelos abaixo dele.
Os olhos olham o horizonte.
Em busca do Furacão.
Dos macacos voadores.
De Dorothy e seus desejos.

Mas não vê nada.
E sorri.

Entra na floresta onde outrora ele jazia enferrujando.
Passa pelo machado que havia largado lá.
Passa pelo ferreiro que havia contruído-o.
As ferramentas estão jogadas no canto.
A forja abandonada.

Ao longe, ele vê as duas bruxas.
Ao longe, ele vê o castelo do Mago.
Alto, imponente e subjulgando a todos.

Ele apenas vira as costas e continua a sua caminhada pelos tijolos amarelos.

Os tijolos amarelos de Oz tem uma história.
A sua história.
Cada quadrado, cada pedaço de sua estrada.
Conta uma história.
Uma lembrança.
E, com suas pesadas passadas, o Homem de Lata vai deixando elas para trás.

Por muito tempo Ele vagou por essas terras.
Buscando abrigo.
Buscando um caminho.
Buscando um rumo.
Achou uma trilha.
Seguiu por ela.
Por muito tempo.

No começo essa trilha era plana.
Parecia uma incrível estrada asfaltada.
Lisa, sem buracos, sem desvios.
Porém, lá na frente, os buracos apareceram.
As curvas sinuosas surgiram.
As subidas íngremes foram surgindo.
Uma atrás da outra.
Uma mais difícil de subir.
As engrenagens do Homem de Lata começaram a cansar.
A parar.

O Homem de Lata, vendo que poderia repetir toda a cansativa atividade de desgaste das engrenagens, se deixou escorregar, para o começo.
E voltou a andar sobre tijolos.
Mas andou pouco.
E desceu pouco.

Uma nova estrada surgiu em sua frente.
E agora ele segue por ela.
Apenas indo.
Sem esperar.
Sem contar.
Só andando.
Um passo metálico após um passo metálico.