quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Era uma vez uma máquina... Parte 8

Bem meu caro colega.
Vimos que eu perdi minha perna na página anterior.
Vimos também um dos meus primeiros romances.
Josy nunca será esquecida. Isso é verdade.
Mas muitas coisas aconteceram depois disso.
Irei relatar tudo à vocês, com certeza irei.
Vamos começar então?

O ano é 1970.
A Alemanha começava o processo de unificação dos dois estados.
Vários tratados.
As guerras civis diminuiam.
Nunca mais ouvi sobre Mark, apenas imaginava onde ele estava.

5 anos após ter perdido a perna, eu continuava do mesmo jeito.
Meio carrancudo, calado.

Um dia, andando na rua, indo tomar um café em uma boteco de esquina perto de casa, ouço um menino gritando:

-Extra! Extra! Tratados em prol da Unificação começam a serem feitos! Será que dessa vez nosso país se acalma?! - disse o menino levantando um jornal.
Um papel cinza, meio sujo.
Mas dentro desse papel, dentro dessa coisa aporcalhada, contia informações.
E isso me facionou.
O jeito de ganhar conhecimento.
Transmitir conhecimento.

Confesso que eu fui um zero à esquerda na escola.
Bom, vocês leram a minha passagem por aquele inferno.
Mas, se tinha algo que eu gostava de fazer, era de ler.
E eu lia.
Lia muito.
Principalmente agora, que a prótese havia me debilitado ainda mais.
Andar muito, depois de algum tempo, me cansava.
A prótese machucava.
Então, eu sentava.
Em qualquer lugar.
Com um livro nas mãos para fazer o tempo passar.
Oh meu deus.
Divaguei de novo.
Vamos voltar à história.

Comprei o jornal do menino.
Li a matéria inteira.
E fiquei fascinado com aquilo.
COm o jeito como o redator transmitia a informação.
Como foram feitas as entrevistas.
A coragem daquele editor para publicar algo assim.
Falando do atual governo.

A partir daí, o mundo jornalístico me fascinou.
Comecei a ler mais e mais.
Mas não mais livros de fantasia.
Comecei a ler livros técnicos.
Livros de escrita.
E comecei a rabiscar algumas folhas, mas nada me parecia bom.
Talvez, não levasse jeito para a coisa.

Passaram-se 3 anos.
O ano, obviamente, era 1973.
As duas Alemanhas entram para a ONU.
Como eu disse anteriormente, o início da pacificação.
Os jornais corriam soltos pela rua.
E todo dia, toda edição, eu comprava.
E devorava.

Consegui um emprego novo nesse meio tempo.
Essa é a minha memória se tornando falha.
Depois do meu acidente em 1965, não durei muito tempo como gerente daquele antigo mercado.
Em 1970, que é o ano em que começo essa parte da minha história, eu já havia saído daquele lugar.
Consegui alguns bico aqui e ali, mas minha condição física me dificultava a conquista de um emprego melhor.
Me achavam incapaz.

Mas, um dia, em um café por aí, enquanto eu tentava fazer aqueles meus rabiscos, aquelas minhas linhas tortas, escrevi algo sobre a unificação.
Claro, eu não sabia não impor meu ponto de vista e todos sabem que, numa redação, não devemos impor nosso ponto de vista correto?
Mas eu não tinha essa técnica, fui apenas falando.
E, por sorte, um dos redatores do jornal que eu comprava, fielmente, a cada edição, estava no mesmo lugar que eu.

- Hey! Você é leitor do nosso jornal! - dizia ele enquanto se sentava em minha frente. Um bom observador, eu pensei. Ele me viu segurando o jornal.
- É, eu leio esse jornal sim. Eu gosto dele. Mas por que você diz nosso? - perguntei meio desconfiado. Nunca fui muito sociável e vocês sabem disso, então um estranho vem e senta na minha frente e começa a falar comigo. Achei estranho.
- Sim, me desculpe. Deixa eu me apresentar. Meu nome é Robert, Robert Fulton. Sou um dos redatores do jornal. - ele disse esticando a mão. Cumprimentei-o, embasbacado. - Olha, você escreve? - ele me perguntou, puxando meu bloco de anotações. Tentei segurá-lo, mas ele foi mais rápido. E se pos a ler aquilo tudo. Todas aquelas baboseiras que escrevi.
- Huum. - um murmurio vindo dele. Isso me assustou.
- Esse bloco é apenas um monte de linhas tortas, um monte de coisas escritas ao acaso. - disse eu tentando recuperar minhas páginas. Ele se esticou e se posicionou fora do meu alcance.
- Um monte de linhas tortas, mas com um potencial para se tornarem linhas certas meu caro.. desculpe, qual seu nome mesmo? - disse ele me devolvendo meu bloco
- Eu é que peço desculpas. Meu nome é Terry Rudloff. E, como assim, potencial para se tornarem linhas certas? - retruquei, meio nervoso, meio exasperado.
- Foi isso o que eu disse. Elas tem potencial para se tornarem linhas certas. - respondeu Robert enquanto olhava em seu relógio. Um bonito relógio, caro pelo jeito. Couro preto. Detalhes em ouro. Seria possível que ele fosse apenas um redator? Me perguntei - Bom Terry. Tenho que ir. Pega aqui meu cartão. Se quiser transformar essas linhas tortas em linhas certas, me procure.

E ele se levantou.
Quando ele saiu, eu olhei o cartão dele.
Robert Fulton. Redator-Chefe do jornal.

E foi assim, ou pelo menos, quase assim, que começou a minha caminhada até essa máquina velha de escrever.
Calma meu querido.
Isso não quer dizer nada.
Como eu venho falando desde o começo, tudo aqui me levou a me sentar na frente dessa máquina de escrever.
Nada ainda foi definido.
Nada ainda foi "escrito".
Calma meu caro caríssimo.
Ainda tem muita história pela frente... Ou talvez não.
Quem sabe?

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Era uma vez uma máquina... Parte 7

Olá meu caro caríssimo, não pense que eu me esqueci de você.
Só precisava de um tempo para arrumar minhas ideias.
Pensar sobre meu passado e tentar colocá-los nessas minhas linhas tortas.



Bem, 1962 foi um ano marcante.
Como vocês podem imaginar.
Minha mãe não foi solta.
Mas não esperou o julgamento.
Se matou.
Ouvi dizer que morreu chamando pelo meu pai.
Ela já havia morrido há muito tempo, eu acho.

Eu não fui ao velório.
Na verdade, eu fui, mas não participei.
Fiquei ao longe, olhando como um telespectador, como se estivesse apenas andando por ali na hora do enterro.
Não tinha mais de 20 pessoas.
Colegas de trabalho.
Nunca perguntei no que minha mãe trabalhava.
Nunca me importei.
E depois disso, os anos voaram.

Em 1965, eu já era gerente do supermercado.
Controlava tudo.
Operadores de caixa, área administrativa, funcionários da limpeza.
Cuidava de tudo.
Mas não cuidava de mim.
Como eu disse, eu havia adotado a rua e a bebida como minha família e irmãos.
E assim eu vivi.
Ou tentei.

Voltando para casa, mancando mais do que o normal, como se não bastasse ser manco, ainda bebo.
Devo ser um bastardo mesmo.
Não vi o carro.
Simplesmente não o vi.
E ele me viu.
Tenho certeza.
Mas não conseguiu parar.
Eu só lembro do barulho.
E da dor, e que dor.
E depois a escuridão.

Não sei quanto tempo eu apaguei.
Só lembro que, quando eu acordei, ainda meio sonolento.
Senti algo estranho em minha perna.
Na verdade, eu não sentia minha perna direita.
A mais afetada pela polio.
Olhei para baixo e constatei.
A perna não estava mais lá.
Claro, entrei em desespero.
Clamei por ajuda, gritei por socorro e o socorro veio como um belo par de olhos mel, um cabelo castanho, bem claro, um corpo esguio e um sorriso lindo.
Tudo bem, na hora eu não prestei atenção em nada disso, só tentei ser poético.
Perdoe a minha falha.
Voltando à minha dor.
Eu perguntei o que havia acontecido.
Eu tinha polio, mancava, MAS AINDA TINHA UMA PERNA!
Lembro de ter gritado isso pra enfermeira.
Josy era o nome dela.
Lembro de ter visto no crachá.
E ela me contou.

O carro, a batida em si, não foi tão forte.
Se minha perna fosse perfeita, ou pelo menos, tão perfeita quanto é algo humano, ela teria aguentado, com uma fratura ou duas, mas aguentado.
Mas, por causa da polio, minha perna era meio definhada e não aguentou.
Nem a batida, nem o ralado depois que o carro passou por cima de mim.
Josy disse que, quando eu cheguei no hospital, não foi uma cena bonita de se ver.
O sangue escorria de minha perna.

Bom, resumindo...
Eu perdi uma perna.
Mas, com todo o dinheiro que eu vinha juntando, eu consegui uma prótese.
Na época, naquela época, era algo grotesco, bruto, mas, melhor do que ficar com aquele toco de perna.
Bom, nos 15 dias que eu fiquei internado do pós-cirurgia, até me acostumar a usar a prótese, Josy ficou ali comigo.
Às vezes vinha trocar as ataduras da cicatriz, outras vezes vinha só para conversar, aliviar a solidão
Acho que ela era também uma pessoa muito solitária.
Por isso nos entendíamos bem.
Nos sentiamos bem no silêncio.
Era confortável ficar ao lado dela.

Recebi alta.
Josy veio se despedir de mim.
Sempre achei que enfermeiros, médicos e pacientes tivessem aquele lance de não se envolverem emocionalmente um com o outro, mas acho que no nosso caso foi meio impossível.
Ela veio me dar tchau.
Me abraçou, desejou tudo de bom e saiu.. ou tentou sair.
Em algum momento de loucura minha, eu agarrei sua mão e a puxei pra perto.
Nunca soube escolher palavras bonitas.
Nunca soube falar coisas bonitas.
Apenas disse que eu adorava a cor dos seus olhos, o quão bonito era seu sorriso e o quão bem ela tinha me feito nesses 15 dias de internação hospitalar.
E depois soltei sua mão.
E ela me beijou.

Meu primeiro beijo.
Beijo de verdade.
Daqueles que fazem o ato valer a pena.
Eu já havia gasto um bom dinheiro com mulheres da vida.
Casas vermelhas.
Bórdeis em becos escuros.
Coisa suja.
Porca.
Mas nada se comparou à esse beijo com josy.

Ela me beijou.
E saiu.
Virou as costas e saiu.
A porta se fechou e eu fiquei ali.
Com minha prótese e meu silêncio.
No meio do meu silêncio e no fechar daquela porta, Josy some da minha vida.

E no meu silêncio, eu termino essa página.
Uma página com um pouco de romance creio eu.
No meio dessa história.

Calma caro caríssmo.
A história vai começar a se desenrolar.
Aos poucos.
Eu precisava comentar essa passagem.
Ela será importante, eu acho.
Pra mim foi importante.

domingo, 11 de setembro de 2011

Era uma vez uma máquina... Parte 6

Ola amigo leitor.
Sei que você está aí.
O meu toque de suspense deu certo, assim espero, e você está aqui caçando essa continuação barata.
Vamos continuar?

Estamos no ano de 1962.
Minha vida não mudou muito de lá pra cá.
As mortes ficaram menos frequentes.
As pessoas aprenderam que não podem atravessar o Muro.
É assim que se doutrina cães.
Na base da porrada.

Em casa, as coisas mudaram um pouco.
Quase não via mais minha mãe.
Não que eu a visse muito antes, mas agora era diferente.
Ela chega em casa no horário normal do trabalho.
07:00 p.m
Toma um banho.
Se arruma.
Pega uma bolsa que fica trancada dentro do seu armário.
E sai de casa.
E só volta de madrugada.
Nisso, eu já estou mais bebado que é capaz de eu tentar dançar tango com o vento.

Maio de 1962.
Um dia qualquer.
De uma semana qualquer.
Eu só lembro do mês.
Minha mãe saiu pra trabalhar e eu também.
Desde que comecei a trabalhar no mercado, eu consegui uma promoção.
Saí de caixa para gerente dos caras do caixa.
Nada de muito diferente.

Foi um dia normal.
Um cliente chato aqui.
Uma briga com um dos operadores de caixa ali.
Normal.
Quando chego em casa, ouço o barulho.
Talvez, aquele barulho que mudaria minha vida.
O toque de um telefone.

Estranho.
Quase ninguém liga pra cá.
Eu não tenho amigos.
Minha mãe também não.
Uma vez ou outra alguma tia liga pra cá.
Pra saber se pelo menos estamos vivos.

-Alo? - Interjeição. Uma forma de saudação. A quem? Eu não sei.
-Rudloff? Terry Rudloff? - uma voz metálica, uns barulhos de fundo.
-Sim, sou eu. - nunca havia recebido uma ligação pra mim.
-Aqui é do Hospital Público. Acabamos de receber sua mãe aqui com um traumatisco craniano. Pegamos ela tentando atravessar o Muro de Berlim para a Alemanha Ocidental. Ela e mais 2 fugitivos.
Seu tio Peter, foi baleado tentando ajudar a sua mãe a atravessar pro lado da Alemanha Ocidental. Sua mãe se desequilibrou com o susto do tiro e caiu.
Ela está hospitalizada, mas estável. Assim que receber alta, será encaminhada para prisão e aguardará julgamento. - disse aquela voz metálica, tudo de uma só vez.

Gelo.
Frio.
Congelado.
Minha mãe saiu.
Saiu pra sumir.
E me deixar.
Meu tio morreu.
Eu nem sabia que tinha um tio.
Minha mãe será presa.
Provavelmente condenada.
Nunca vi ninguém sair impune por tentar atravessar o Muro.

-Terry? Você está aí? Terry? Tutututu


Ouço a voz metálica de longe, falando comigo e depois desligando.
Coloco o telefone no gancho e apago.
Acordo, o céu já está escuro e o telefone não para de tocar.
Eu não quero atende-lo, tiro ele do gancho e escuto.

A voz metálica me diz que minha mãe teve alta.
Está na Prisão Alemã Estadual.
Aguardando julgamento.
Mas já me avisam que será difícil ela sair de lá.
Eu agradeci o contato.
Desejei à voz metálica uma boa noite.
E desliguei.
De novo.

Levantei.
Tomei um banho.
E saí.
A rua agora era minha família.
E a bebida meus irmãos.
Aqueles que eu perdi em guerra.

Aqui começa a história propriamente dita.
Vocês conhecerão agora, meu caminho até o meu futuro.
Até onde estou hoje.

A partir de agora, vocês comecarão a entender, como eu vim parar na frente dessa máquina.
Escrevendo sobre esse passado.

Até breve, meu caro caríssimo.

Farol Vermelho e Amarelo

Uma vez eu ouvi dizer que todo porto precisa de um farol e que todo Náufrago se move em direção à luz do farol.
Um farol vermelho eu vejo.
Com seu topo amarelo e sempre me chamando.
Me guiando.
Me cuidando.

Depois de tanto tempo como aquele Náufrago, navegando em tantos mares alheios, eu encontrei meu porto com meu farol.
E estou nele há 7 meses.
Montei uma casa aqui.
Montei um lar aqui.
Montarei uma família aqui.
Montarei uma história aqui.

São 7 meses de lutas e glórias.
Brigas e sorrisos.
Conversas e abraços.
Desejos e objetivos.

Um lema?
Estamos juntos nessa.
Sempre.
Meu farol.
Meu porto.

Caminharemos lado a lado.
Viveremos lado a lado.
Às vezes, você o farol e eu o naufrago, às vezes, você a naufraga e eu o farol

Minha criança, minha jóia.
Minha vida, meu amor.

Obrigado pelos 7 meses.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Era uma vez uma máquina... Parte 5

Eu sou um cara esquecido.
Entendam.
Eu sempre me perco em devaneios enquanto eu estou sentado pensado.
Por isso eu escrevo estas linhas tortas.
Para me lembrar.
Lembrar do meu passado.
Pra poder saber o que acontece em meu presente.
E tentar descobrir o que acontecerá no meu futuro.

Bom, já que eu acabei de jogar meus pensamentos lá longe, vamos voltar à minha história.
Eu continuo sentado aqui na frente dessa máquina de escrever antiga, relembrando coisas que aconteceram.
Onde eu parei?
Pois bem, lembrei.
E como pude esquecer?

Mark foi embora.
Me deixando aqui.
Terminei o Ensino Médio apenas com notas regulares.
Ainda não havia beijado.
E não me importava com isso.

Becas, alguns sorrisos amarelos.
Flashs.
Canudos.
"Pegue o canudo e enfie em seu cú querido diretor"
Foi um pensamento que me veio a mente, mas eu não verbalizei.
Covarde demais.
Desci do palco.
E voltei pra casa.
A volta para casa parecia demorar uma eternidade.
Eu acho que nunca manquei tanto em minha vida.
Mais um período havia acabado.

-Mãe? - pergunto eu assim que entro em casa.
-Oi Rudloff, parabéns. - disse ela sem nem virar pra mim.
-Terminei o colégio. - minha voz sai meio insegura, eu ainda estou plantado na porta.
-E daí? - responde ela mexendo em algo nas gavetas da cozinha.
-E agora? O que eu faço? - "Se mexa criatura! Vá até ela! Abrace-a! Faça qualquer coisa seu aleijado!" essa é a minha mente gritando comigo, mas eu não a obedeço.
-Agora você faz o que você quiser meu filho. A vida agora é tua. Se vira. - ela diz, saindo de casa e indo trabalhar.

E por lá eu fico.
Plantado.
Esperando o dia acabar.
Vejo o Sol se por pela janela da cozinha.

Isso tudo foi em 1958.
Nossas vidas iriam mudar em alguns anos.
Minha mãe começou a se agitar mais.
Ela saia no meio da noite, mas eu não me importava.
Não nos falávamos mais.
Eu consegui um emprego.
Um emprego medíocre, para alguém medíocre.
Caixa de mercado.
Me dava uns trocados para a bebida.
Eu havia adquirido o gosto por elas.
Havia conhecido uns caras também.
Amigos de bar.

Os anos passam.
Minha vida não passa.
Não muda.
'59 veio e foi embora.

Anos 60.
Começamos a ouvir algo sobre Divisão Alemã.
Não que nossas vidas já não fossem divididas.
A Alemanha que eu conheci quando eu vim ao mundo, há muito já havia sumido.
Oriental e Ocidental.
Uma ainda controlada por Russos, outra controlada pelos Americanos.
Mas ainda havia algumas brigas.
Ouviamos nos rádios, liamos nos jornais, sobre brigas.

'61.
Explosão na Alemanha.
Criam o Muro de Berlim.
Alemanha fisicamente dividida.
Um muro no meio do nosso país.
Dividindo sociedades, culturas e, o mais importante, famílias.
Lemos em jornais.
Tios, primos, filhos tentando atravessar a fronteira e morrendo.
Os soldados que ficam de patrulha não dão trégua.
Mark deve estar por lá.
Vestido de verde.
Caçando familiares.
Brincando de tiro ao alvo.

É meu caro caríssimo.
Esses foram meus anos.
Calma.
Ainda contarei mais.
Você sabe que eu gosto de continuações.
Gosto de contar as coisas em partes.
Posso deixar algo no ar?
Você me permite uma pitada de suspense?
Então tá bom.
Na próxima página desse conto de tortas linhas, você lerá algo.
Algo sobre uma voz metálica.
E suspirará.
Tchau caro caríssimo.
Nós ainda iremos nos falar.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Era uma vez uma máquina... Parte 4

Onde paramos?
É mesmo. Cursando Ensino médio.
Isso parece descrição de Currículo.

Mark ainda andava comigo.
Ou pelo menos me acompanhava na minha mancadas.
Entramos no famigerado 3º ano.
Último ano nessa escola.

Mark ainda estava comigo.
Fiel e companheiro amigo.
Não comentei sobre o segundo ano pois nele, não houve muitas mudanças em minha vida.
Continuei manco.
Continuei com polio.
E continuei sozinho.

A falta de cores e a falta de coisas continuou a mesma.
A mesma apatia.
A mesma falta.
Falta.

Mark andava comigo.
Pelo pátio da escola.
Pelos corredores das salas de aula.
Pelo caminho de casa.

Mark andava comigo.
Sempre.
Até o dia que nos pararam na rua.
Mark foi levado.
Pelos mesmos homens que levaram meu pai.
Os homens de verde.
Tentei correr, mas não havia forças em minhas pernas.
Voltei para casa.
E esperei.
Esperei.

A dor da espera era absurda.
Mas Mark voltou.
Vestindo o verder.Aquele verde musgo que eu vi levando meu pai embora.
Mas sem a faixa.
O Nazismo havia acabado, mas a Alemanha precisava de soldados.
E Mark era um cara marcado.
Igual a mim.
Filho de ex-combatente.
Se eu não tivesse polio e não mancasse, pode ser que eles tivesse me escolhido também.
Mas escolheram Mark.
E ele andou.

Andou na rua.
Andou pro carro.
Andou para longe.

Essa foi uma das coisas mais marcantes no meu ensino médio.
Mark.
Meu único amigo, ter sumido, uniformizado, com cara de estátua e deixando a mãe e seu amigo para trás.
Assim como seu pai fez.
Como o meu fez.
Como muitos pais fizeram na Grande Guerra.

Você pergunta pela minha mãe.
Ela continuou na mesma.
E como nessa parte eu falo sobre continuações, deixa eu explicar a continuação da minha mãe.

Minha mãe continuou, ou melhor, tentando viver.
Não saia de casa, a não ser que fosse pra ir trabalhar.
Não saia da cama, a não ser que fosse pra ir trabalhar.
Não comia, a não que fosse pra poder parar em pé. Adivinha para que? Pra poder ir trabalhar.
Minha mãe entrou num círculo vicioso.
O círculo vicioso do coração, ou da falta dele.
Sem o coração, minha mãe entrou no automático.
Acordar, comer, trabalhar, comer, dormir.
Acordar, comer, trabalhar, comer, dormir.

E eu?
Eu só fui crescendo e tantando andar.
Andar para longe.
Para longe daquele bairro.
Para longe daquela cidade.
Para longe dos homens de verde e da sombra vermelha.