sábado, 26 de fevereiro de 2011

O Conto Sobre Rex

Eu já tive um amigo imaginário sabia?
É, eu estou falando com você que está lendo isso aqui.
Se você está lendo isso...
É porque eu te dei pra ler oras.
Você não achou isso em lugar algum.

Então, voltando à história do amigo imaginário.

Eu devia ter uns 5, 6 anos quando criei o Rex.
Bem.
Hoje, eu só lembro que o Rex era vermelho.
E que me acompanhou até os 12 anos.
Foi quando eu fui internado aqui.

É, Rex foi um bom causador dessa internação.
Ele mandava eu fazer as coisas.
Algumas eram engraçadas.
Outras nem tanto.


Ele era mais engraçado quando eu tinha meus 6, 7 anos.
Ele fazia eu pular do 5 degrau da escada de casa e cair no sofá só pra ver a mamãe pular de susto.
Era engraçado ver a cara dela.
Tudo bem que não foi legal quando a gente foi fazer isso e erramos o sofá.
Quebrei o braço.
A gente sentiu uma dor desgraçada.

Aos 9 anos Rex me desafiou à brincar de artista circense.
Sabe aqueles filmes em que os artistas de circo amarravam suas assistentes numa roda e ficavam atirando facas?
Então.
Rex me desafiou à ser um desses artistas.
Só que eu não tinha um assistente.
Foi aí que eu vi a Clara.
Clara é minha irmã.
Ela tinha 7 anos na época.
Ela sempre fazia o que eu pedia.
Ela me adorava e eu a amava.
Ela perguntou do que eu estava brincando.
Eu falei que eu era um artista circense e que precisava de uma assistente.
Ela falou que queria ser minha assistente.

Antes de continuar a história, quero descrever como era minha irmã.

Somos descendentes de alemão, então, é óbvio que fossemos loiros, correto?
Errado.
A parte alemã é da minha mãe.
Meu pai é descendente de italiano.
Logo, temos o cabelo beem escuro e os olhos bem claros.
É assim que Clara era.
Pequena, na altura da minha cintura mais ou menos.
Cabelo no meio das costas.
Sempre com um sorriso na cara.
Acho que ela também tinha um amigo imaginário.
E assim era minha irmã.

Voltando à minha experiência como artista circense.

Armei tudo, ou quase tudo.
Eu não tinha uma roda que ficasse girando enquanto minha assistente ficava lá presa e eu atirando as facas.
Mas eu amarrei a Clara numa árvore e falei que tava bom.
Rex aprovou.
Peguei 5 facas.
Acho que estava bom.
Clara sorriu pra mim.
Nunca esquecerei daquele sorriso.
Lá se foi a primeira faca.
Passou direto por ela e pela árvore.
Ela continuou com o sorriso, me mostrando coragem e me dando confiança.
A segunda foi.
Passou direto também, mas pegou no braço da Clara, de raspão, mas cortou.
O sorriso dela sumiu e ela começou a se debater pra sair.
Eu quis parar, mas Rex falou pra eu tentar acalmá-la e continuar.
Eu senti uma risada estranha de Rex surgindo dentro de mim, mas fiz o que ele falou.
Assim que eu pedi pra Clara se acalmar e confiar em mim, ela parou.
Ela sempre me ouvia e confiava em mim.
Joguei as outras três facas restantes uma atrás da outra.
Foi aí que aconteceu tudo muito de repente.
A 3ª faca acertou direto no estomago dela e ficou presa lá.
A 4ª atingiu a perna e também ficou lá.
A 5ª passou direto.
Clara estava gritando de dor.
Eu corri e a desamarrei.
Mamãe chegou e viu a cena.
Ela ficou branca.
Pegou a Clara e a levou ao hospital.
Fiquei sem notícia das duas durante o resto do dia.
Ficava olhando o sangue no jardim e brigava com Rex.
Rex falou que a culpa era minha, ninguém mandou eu não ter mira.
Eu concordei com ele.

Quando mamãe voltou, ela me olhou com uma cara que me deu medo.
Clara não havia morrido, disse ela, mas ela não ficaria mais com a gente.
Eu perguntei porque.
Ela disse que a culpa era minha.

Nunca mais tive notícias da Clara depois disso.
Minha mãe nunca mais falou comigo direito depois disso.
Mas sempre tinha uma foto da Clara na mesa da sala.
E minha mãe sempre chorava quando olhava pro retrato.

Passaram-se mais alguns anos.
Rex não me abandonara ainda.
Ele falava e eu fazia.
Um dia eu quase matei um menino na escola.
Empurrei ele de cima de um brinquedo do playground.
Sabe aqueles que você vai subindo?
Pois é.
Chegamos no topo e ele falou que era o dono do mundo.
Rex falou pra eu empurrá-lo.
Pra eu ser o dono do mundo.
Peguei e empurrei.
Ele só quebrou a clavícula.
A diretora mandou chamar minha mãe.
Conversaram.

Foi aí que eu comecei a frequentar um cara que me fazia ficar deitado num sofá mó confortável.
Ele pediu pra eu contar de todas as experiência que eu tive.
Eu contei pra ele sobre Rex, apesar de Rex ter feito eu prometer que não falaria, eu achei que fosse seguro falar sobre Rex pra esse homem.
Me enganei.
De repente, mamãe estava falando que eu tinha que arrumar minhas malas que eu iria me mudar.
Eu não queria me mudar.
Mamãe não entendia que eu queria ficar em casa.
Rex falou pra eu brincar de artista circense de novo, mas dessa vez usando mamãe como assistente.
Peguei as 5 facas de novo.
E joguei.
Uma atrás da outra.
E eu a vi caíndo e sangrando.
E eu não fiz nada.
Enquanto ela caía, homens me seguravam e me amarravam com uma blusa estranha.

E foi assim que eu vim parar aqui.
Nesse quarto branco.
Com essa blusa branca.
Tudo branco.
Menos Rex.
Ele continuava vermelho.
E continuava comigo...

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

As Agulhas Elétricas de Henry

Um sonho pode ser premonitório?
Um sonho pode dizer o que se passa no mais obscuro pedaço da sua mente?
Um sonho pode dizer o seus maiores desejos?
Espero, sinceramente, que não.
Pelo menos, não depois de ontem.

Ver aquilo tudo em um sonho.
Ver o quão real foi esse sonho.
Foi quase uma brincadeira de roleta russa.
Eu estou esperando a única bala no tambor ficar voltada pra mim.

Abri os olhos e suava frio.
Sim, abri os olhos.
Não posso falar que dormi.
Eu mal consegui pregar os olhos.
No máximo cochilei.
O seu rosto continuava flutuando na minha frente.
Esse foi um dos sonhos que mais me fizeram mal.
Não porque nesse você se afastava.
Não, se fosse isso eu já nem ligaria mais.
Esse foi diferente.
Você quis ficar mais perto.
Isso me assustou.
Um medo irracional sabe?
Sabe instinto animal?
Quando eles sabem que o que está vindo vai lhes fazer mal e eles fogem?
Então, foi o mesmo medo que me fez acordar hoje.

Agulhas elétricas meu caro Henry.
Acho que sei bem como você se sentia enquanto furavam-lhe a pele.
No meu caso, furaram muito o meu coração.
Tal qual um queijo suíço.
Cheio de furinho saca?
É mais ou menos isso aí.

Mágico de Oz, Holden e uma música sem título me acompanharam esse fim de semana.
Você não me veio tanto à cabeça enquanto eu bebia.
O que me machuca mais é o vazio.
Não a sua falta, mas o vazio que você deixou em mim saca?
É bem isso.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

E, de novo, Holden e Alice.

Não importa a velocidade com q descubramos o câncer,
sempre deixaremos um rastro de sangue na hora de tirá-lo.
E o meu rastro é grande demais.
O caminho de sangue que eu deixei atrás de mim é enorme.
Acho que eu já disse uma vez.
Na minha gana de arrancar o câncer, eu usei ferramentas e instrumentos que sangram mais do que o meu próprio corte.
É esse sangue que eu tenho tanto medo de derramar.
Não o meu.
Nunca o meu.
Eu já me acustumei à ver o meu sangue no chão.
Eu já me acustumei ao gosto amargo do meu sangue.
O sangue dos outros pingando me incomoda.
Principalmente quando sou eu que faz ele pingar.

Ao abrir a porta para correr, Holden é parado.
Alguém quer que ele fique.
O problema é ficar.
Há aqui, uma pequena indecisão.
Ficar ou não ficar.
Se ficasse, ele não saberia o que poderia acontecer.
Não sabe se o rastro aumentaria.
Não sabe se o rastro secaria.
Não sabe por quantos erros e acertos teria que passar.
Se fosse embora, a única incerteza dele, seria onde dormir.
O caminho que Holden percorre quando foge de casa é sempre o mesmo.
Sempre.

Holden quis ficar.
Juro mesmo.
De verdade.
Mas nem sempre, querer é poder.
Como já foi dito acima, o sangue pingando lentamente é altamente torturante pra ele.

E enquanto eu durmo, acordo e vejo o  teu rosto Alice.
Deixo outros rostos para trás.
E enquanto eu sinto seu cheiro, lembro de teu gosto, vejo teu sorriso Alice.
Deixo outros tantos sorrisos, gostos e cheiros para trás.

Corro tentando fugir de você.
Mas quanto mais corro, mais meus caminhos me levam à você.
Nem todos os caminhos levam à Roma.
Eu acho que todos os meus caminhos me levam à você.
Por isso eu crio atalhos.
Meios de fugir dos caminhos certos.
Me embrenho em matas fechadas.
Mergulho em rios escuros, tudo pra fugir do caminho das pedras que eu sei que me levará até você.
Só pra não ter que te ver de novo.
E saber que tanta coisa mudou.

Você foi, é e pra sempre será tudo aquilo que você um dia representou pra mim.
"Tem um lugar em mim que é só teu e nada vai mudar porque é meu"
Saca?

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

As Cenas se Repetem e o Palhaço lhe Sorri

Olha você sentado aqui de novo.
Esperando.
Torcendo.

Olha você se olhando no reflexo de novo.
Sujo.
Machucado.
Sangrando.

Olhe ao seu redor de novo.
A sujeira.
As navalhas.
As garrafas.

Olhe pela janela de novo.
Os cobertores com pernas.
Os sinais de fumaça dos carros.
Os cheiros de urina em cada beco.

Olhe as pessoas ao seu redor.
Acabadas.
Sorrisos mascarados.
A Risada do Palhaço.
Você se reconhece nelas.

Essa cena se repete.
Todos os dias.
Todas as horas.
A cada minuto

Dores antigas e Holden correndo.

Ao passo em que eu abstraio tudo aquilo que me fez mal em minha vida, eu fico imune às coisas que me são boas e que chegam à mim.

Enquanto o Homem de Lata caça seu coração para se sentir vivo, o Leão Covarde busca coragem pra seguir em frente.

Hyde me sussurra ao pé do ouvido coisas insanas e obscenas.
Coisas que me dão náuseas.
Hyde pede para que eu volte ao buraco.
Jeckyll sorri e me chama.
Eu viro as costas pra eles e saio de perto.
Prometi à mim mesmo que não entraria mais naquele poço imundo.

Vai Holden, use sua habilidade de fugir, de se esconder e me leve junto.
Vai Holden, me ensine a tua arte de fugir.
Eu não preciso aprender a contar histórias como Forrest fazia, só preciso aprender a correr.

Eu sou os Cacos do Espelho Quebrado de Jack.
Refletindo os pedaços de mim.
Refletindo as partes trincadas de mim.
Refletindo as manchas de sangue que pintam as minhas roupas.

E enquanto Alice, ou Dorothy, eu não me importo como você queira chamá-la, enquanto elas se refugiam em seus cantos, você fica aqui, pra levar tapa na cara.
Sempre.


Mas, tudo bem.
Isso não é novo pra você.
Isso é só uma dor antiga.
Nada aqui lhe é novo.
Nada aqui é novidade.
Nenhuma dor aqui é recente.
Você já sentiu tudo isso.
Isso aqui é só uma droga de repetição gerada por sonhos, pesadelos e insônia.

E enquanto você dorme, Tyler toma conta de novo.
Quer fazer tudo isso passar?
Tenta um tiro na cabeça.
Talvez o tiro só acerte Tyler.
Talvez o tiro vare sua cabeça.
Não sei.
Quem sabe?

Eu sou o Texto Nojento de Jack

Bom Dia Alice.
Surgindo em meus sonhos outra vez?
Pela terceira vez seguida?
Não que eu sonhe muito, mas quando eu consigo sonhar, é você quem aparece.

Aí é que vemos.
No final de tudo, você ainda me assombra.
Como um fantasma que vem pra puxar meu pé, você vem pra me assombrar durante a noite.

Eu sou o Sentimento Amedrontado de Jack.
Vejo você saindo e entrando nos meus sonhos com uma certa frequência.
Você é meu Tyler Durden.
Aparece enquanto eu durmo.
Usando meu corpo e minha mente.

Eu sou o Sentimento de Ira de Jack.
Eu fico irritado a cada vez que você aparece.
Não era mais pra você aparecer.

Eu sou o Coração Partido de Jack.
Provavelmente Marla lerá isso.
Provavelmente ela ficará puta.
Provavelmente ela acabará com isso tudo.

Eu sou o Sangue Venenoso de Jack.
Enquanto esse sangue cheio de veneno escorria, você ria da minha cara.
Enquanto esse sangue cheio de veneno escorria, você virava as costas e ia embora.
E enquanto eu deixava esse sangue cheio de veneno escorrer, eu morria lentamente de hemorragia.
Solitariamente.

Eu sou os Cacos do Espelho de Jack.
Refletindo o interior.
O feio.
O horrível.
O escuro.

Eu sou a Vontade de Fogo de Jack.
Vontade de viver.
Vontade de ser feliz.
Vontade de dias melhores.

Eu sou Eu.
Com o cano da arma dentro da boca.
Mirando no Cérebro Perturbado de Jack.
Torcendo para que esse tiro, acabe com o Tyler dentro de mim.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

O Vazio do Homem de Lata.

Mais um rastro de sangue deixado para trás na minha gana de correr do passado.
Mais uma macha de sangue impregnada em minha roupa
Mais um borrifo de sangue que suja a armadura que me reveste.

Em algo que havia tudo pra ser bom.
Em algo que havia tudo pra ser bonito.
O seu rosto vem e me nubla a visão.
Alice não sai dos meus pensamentos.
Por que?
Eu só queria saber isso.
Por que?

Hoje, eu chamei por Hyde.
Para me dar forças.
Ele me deu.
Forças pra aguentar o que eu faria.

Abrir mão de uma coisa por eu não conseguir preencher, completamente, o vazio que me assola o peito.
Homem de Lata Sem Coração, meu caro Oz.

Ele corre, corre, corre.
Tenta achar o seu coração.
Chegou um tempo em que ele achou que havia achado o seu coração.
Minto, ele achou o seu coração.
O problema é que o vazio era maior que o coração.
Foi tanto tempo mergulhado nesse vazio, que o vazio ficou grande demais.
O coração não tinha o tamanho do vazio saca?
Sobrava vazio.
Entende?

E enquanto o Homem de Lata corria, mais ele se perdia.
Perdido em seu próprio mundo.
Um mundo no qual ele se afundou.

"-Bata no meu peito se acha q estou perfeito.
-Maravilhoso, que eco.
-Está vazio, o ferreiro esqueceu de me dar um coração.
-Sem coração?!
-Sem coração."

Personagens e suas Descrições

Eu falo sobre o buraco.
Falo sobre as minhas duas sombras.
Vocês conhecem Hyde e Jeckyll, mas eu nunca falei como eles são.
Num descrevi o buraco.
Nunca descrevi como são eles dois.
Nunca consegui descrevê-los.

O buraco.
Ele não poderia ser mais escuro.
Úmido.
Nas paredes, você consegue enxergar o desgaste das vezes em que eu tentei me escorar nela pra subir.
Você consegue ver manchas de sangue nas paredes onde eu me machucava e me cortava.
Manchas de sangue no chão das vezes em que eu tentava fazer todo o veneno que estava presente em meu corpo escorrer.
Você consegue enxergar as letras escritas com sangue.

As sombras.
Essas são mais dificeis de descrever.
A sombra que eu denomino Hyde, ela é grande.
Grande mesmo.
Ela tem um caráter manipulador, é forte e sabe ser mal.
Não é aquela maldade perversa.
É uma coisa mais calculada.
O suficiente pra fazer os outros se curvarem à ele.

Já a sombra que eu denomino Jeckyll, é menor que a anterior.
Mas não pense que por isso ela seja menos infuenciável que Hyde.
Ela é mais insegura, mais incerta, porém, mais inteligente que Hyde.
Ela não é forte, não é tão manipuladora, mas sabe usar da inteligência pra fazer os outros se renderem aos seus pedidos.
Jeckyll sabe usar a lógica.

Temos um terceiro personagem nessa história.
A Voz.
Lembra?
Hyde, Jeckyll e a Voz. Uma conversa no buraco?
Pois é A voz.

Como descrever A Voz?
A Voz era Eu.
Era a minha forma de me expressar ali.
Era um jeito de mostras pras sombras que eu estava ali.
Encolhido, sangrando, mas ainda vivo.
A Voz era um jeito de saber que EU estava vivo.
De provar pra mim mesmo que eu tinha voz e forças pra lutar.

E tudo isso são só descrições e apresentações.
Nunca havia falado sobre como era o meu inferno particular, nem das peças que o preenchiam.
Tchau buraco.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Uma Carta Enquanto Você Dorme.

E enquanto você fica aí, deitada.
Eu vejo o nosso reflexo nesse quarto de hotel.
Nesse espelho que cobre a parede.
Vejo você deitada.
Com o lençol cobrindo metade das suas costas e a bunda.
As pernas descobertas.
Vejo seu cabelo negro esparramado na cama.
A mão direita caída pra fora da cama e a esquerda embaixo do travesseiro.
Todos esses detalhes me fazem sorrir.

Levanto.
Tomo um banho.
Fico pensando.
Lembrando.
Lembro de quando tudo começou.
Na verdade, de como EU comecei.
Eu fui chato não fui?
Persistência ou Insistência?
Sorrio.
Ainda acho que foi persistência.
Desligo o chuveiro, me troco e saio.
Passo no buteco ao lado e compro dois pingados e pão com manteiga na chapa.
Típico café da manhã em São Paulo.
Pego tudo e volto pro quarto.
Você ainda está deitada.
Como a minha parte e deixo o que trouxe pra você no microondas.

Sento na mesinha e lembro da nossa última noite.
Você apareceu aqui.
De surpresa.
Sim, não nos víamos há mais de 2 meses.
Desde que terminamos tudo.
Mas ontem, quando nos vimos, senti que algo havia mudado.
Em você.
Em mim.
Em nós.
Vi que ali, existia um nós.
A gente.
Um só indivíduo.

Você está acordando.
Vejo você se mexendo na cama.
Vou parar de escreve e me jogar em cima de você.
Haha.

'Ninguém vai devolver sua vida, quando perceber que deixou tudo pra trás.'

E eu deixei.
A vida de antes pra trás.
Agora?
Agora eu só quero vivê-la.
Sem um passado ou futuro.
Só o presente.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

As Luzes do Castelo Piscam Dessa Vez

Hoje eu estou aqui.
Sentindo meus próprios punhais me cortando a pele.
Minha mão segurando tais punhais.
Sim, eu só quero sentir tudo isso.

Vamos voltar um pouco no tempo.

Lembro das vezes em que deixei de viver.
Deixei de sentir.
Deixei de sangrar.
Esqueci o que era tudo isso em prol de um ilusão.
Miragem.
Tão enganosas quanto um baralho de mágico.

E quantas vezes deixamos o veneno contaminar nosso sangue?
E quantas vezes esquecemos de como devemos ser e agir?

Ao acordar mais uma vez nesse albergue, com as luzes do lustre apagadas, lembro de dias em que tudo fazia sentido.
Vejo a mesma janela quebrada.
Lá fora, no céu negro, a única coisa que brilha é a lua.
Céu negro.
Tão negro quanto o vazio que assola meu peito.
A única diferença entre o céu e meu peito, é que o céu tem a lua que clareia um pouco.
Aqui, no meu peito, nada clareia, nem a mais remota estrela já morta.

É claro.
Depois de olhar a janela eu fui ao banheiro.
Olá espelho. Qual é a minha aparência de hoje?
Fazem quantos dias que eu não me vejo em você?
3, 4 semanas?
Quase um mês isso já.
A mesma barba por fazer.
O mesmo cabelo grande embaraçado.
Olá espelho. Que tal você assistir um auto-flagelo?

Punhais.
Facas.
E um lustre que pisca.
E dessa vez, as luzes do castelo não param de biscar.
Hora acendendo, hora apagando.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

E mais uma vez, sorrisos em um palco.

Um calor infernal naquele lugar pequeno.
Suado.
Pingando.
Pessoas ao redor gritando canções.

Você vem e me abraça.
Por trás.
Um abraço que me fez enxergar tudo aquilo o que você diz pra mim.

Nas canções cantadas.
Nos gritos dados.
Nos pulos, nos arranhões.
Eu me vejo mais livre.
Mais solto.

'Mais um café gelado, por favor.
Ninguém vai devolver sua vida
quando perceber que deixou tudo pra trás.'

Você me abraça e eu vejo que podemos viver.
Eu canto isso com você grudada em mim.
Sem nos importarmos com quem estava ao nosso redor.
Sem nos importarmos com o estado nojento em que nos encontrávamos.
Sem ligar pra nada.

Lágrimas.
É, eu as vejo de novo.
Não nos meus olhos.
Eu já não choro mais, não por passados.
Mas eu as vejo em olhos que, hoje, tem tudo para brilharem de felicidade.
Sim, sei que foi passageiro.
Mas ela veio até mim.
Eu só a abracei forte e deixei-a chorar.
Lembra aquele lance de deixar o veneno escorrer?
Foi mais ou menos isso.

Um sorriso.
Vários sorrisos.
Meu e delas.
Meu e dela.
Meu.
Só sorrisos.
E é só isso que eu quero agora.

' E hoje o Sol nasceu, declarando o fim, dessas lágrimas. '

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Uma Carta do Buraco

Olá meu caro caríssimo.
Há quanto tempo eu não apareço por aqui?
Eu que sempre estive presente quando você precisava.
Eu que sempre estive aqui quando você me chamava.

Você usou e abusou de meus abraços.
Você usou e abusou de meus gritos.
Dos meus conselhos.
Dos meu sussurros ao pé do ouvido.

Olá caro caríssimo.
Há quanto tempo você não vem me visitar?
Você que sempre vinha quando a barra apertava.
Você que sempre vinha quando precisava de um afago, ou um tapa, ou coisa que o valha.

Eu que sempre lhe amparei.
Eu que sempre estive aqui.
Pra te segurar.
Pra juntar teus cacos.

E enquanto você estava lá, dando murros em ponta de faca.
Se cortando com teus próprio punhais, eu estava aqui.
Trancado, mofando e sorrindo.
É, sorrindo.
Sorrindo ao ver a tua derrota.
Sorrindo ao ver a tua humilhação.
Sorrindo ao ver você se mutilar a cada vez que dava tudo errado.
Sorria.
Sorria, pois sabia que você viria.
Viria a mim.
E eu de braços abertos estaria aqui pra você.

Mas você saiu.
Saiu de meus braços.
Saiu de meus domínios.
Saiu de mim.
E eu?
Eu fiquei aqui.

Ass: Mr Hyde, o Louco

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Enquanto isso, nos lustres do castelo...

Mais um dia.
Mais uma vida.
Mais um copo.
Mais um gole.
É mais ou menos assim que eu vejo a minha vida correr.

Monotonamente.
Repetidamente.
Incenssantemente.
Incansávelmente.
E altamente parada, chata, modorrenta ou qualquer outro sinônimo que você conseguir achar.

Abro os olhos e sento na cama.
Não na minha cama.
Hoje estou na cama dela.
Como eu vim parar aqui?
É simples.
Saímos ontem.
Na verdade, saímos para discutir.
Começamos a beber e nos alterar.
Ela me xingou.
Como sempre.
Entre um cigarro e outro, um gole de cerveja e outro, começaram os palavrões.
Lembro de te-la xingado de puta por ter dormido com meu amigo há uma semana atrás.
Claro, ela podia fazer o que bem entendesse.
Nós não estávamos juntos e foi bem isso que ela jogou na minha cara.
Isso doeu.
Doeu como o tapa que eu dei na cara dela.
E ela revidou esse tapa.
E quando fomos ver, estávamos nos agarrando.
Sim, no meio da rua.
Rua Augusta.
Sabe como é.
Depois disso, só lembro dos pinos usados e da cama dela.

Olho pra ela.
Olho pra mim.
Dois seres acabados.
Dois seres se encaminhando para o fim das suas respectivas vidas.
Sem amor.
Sem dinheiro.
Sem nada.
Nem um ao outro nós temos.

Levanto.
Me arrumo.
Abro a porta do apartamento.
E saio.
Sem bilhetes.
Sem recados.
Sem olhar pra trás.
Apenas saio.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

E de novo, no mesmo bar, no mesmo albergue.

Que calor!
Abro os olhos e passo a mão na testa.
Molhada.
Calor infernal.
Lá fora.
Aqui dentro, vivemos num eterno inverno.
Sempre frio.

Levanto dessa cama onde traças e baratas passeiam livremente por sobre os lençóis.
Abro a porta do banheiro e olho o espelho.
É, eu tenho uma coisa com espelhos.
Eles nos refletem saka?
Refletem o nosso exterior.
Ainda bem que é o exterior.
Se fosse o interior, acho que eu não aguentaria me ver refletido.

Espelho, espelho meu.
Existe alguém mais derrotado do que eu?
Existe alguém mais acabado do que eu?
Sim, eu sei que existe.
Mas tem horas que você se sente o pior ser vivo que pisa na Terra.
Cabelo grande e embaraçado.
Barba por fazer à 2 semanas já.
Olheiras iguais as marcas de um panda.
Insônia.
Morfeu não consegue vir à mim.
Eu choro, imploro, mas nada.

E quantas vezes eu gritei pra não me sentir só, tentando me iludir, mas tudo cai ao meu redor.

Saio da frente do espelho.
Isso é realmente deprimente.
Ligo o chuveiro e deixo a água cair sobre o meu corpo.
Olho pra baixo e vejo as marcas.
Marcas das minhas fraquezas.
Vejo os pontos finos no braço.
Vejo as marcas dos cortes.
Cicatrizes brancas que ficarão pra me lembrar dos erros tolos que cometi.

Vejo que já errei demais.
Vejo que já me machuquei vezes demais.
Auto-flagelo.
Auto-punição.
Mas, auto-piedade cade?
Enfim.

Saio do chuveiro e me troco.
Olho pra fora, pela janela quebrada e vejo aquele Sol de fritar neurônios.
Coloco uma bermuda, uma regata e um chinelo.
Desco as escadas do albergue.
Dou boa tarde aos moradores.
A puta que é a minha vizinha, que cobra 20 reais a hora.
O gordo que fica sentado o dia inteiro no sofá que tem no Hall do albergue.
Todos eles estão aqui, junto comigo, porque não tem lugar melhor e ninguém que se importe com eles.
Saio do albergue.
Atravesso a rua.
Entro no bar.
E começo a beber.
A mesma bebida, no mesmo bar, com os mesmos transeuntes.