quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Memórias Póstumas de Um Suicida. Parte 3 - Conto

 Memórias Póstumas de Um Suicida #3

Olha lá.
Mais uma carta encontrada.
E aí, foi difícil descobrir que livro era?
É, penso que sim.

Onde paramos mesmo?
Minha memória é meio falha.
Ah sim.
Contei até os 20 né?

Pois bem.

21 anos.
Shows, saídas.
Faculdade ainda animadora.
Primeiro curso que finalmente eu estava terminando.
Coração ainda cicatrizando das últimas pauladas.
Nada de muito eletrizante.
Uns roles meio tortos.
Porres de tequila.
Glicose na veia.
Nada de muito anormal pra essa idade.

22 anos.
Começo me afundar.
O escudo que carrego começou a ficar pesado.
Está difícil mantê-lo.
Mais difícil ainda é tentar abaixá-lo.
Então eu fico no dilema entre: descer as barreiras ou sangrar até a morte?
Solitário, mas lá, firme e forte segurando um escudo que tem um peso maior do que eu posso suportar
Lá vem o compacto.
Respira, coça, esquece.
Aqui, é só o começo da minha descida ao poço.

23 anos.
Fim da faculdade.
Dp em quase todas as matérias.
Ficava mais em casa do que saia.
Quem vai tirar Gregor Samsa de seu quarto?
Foda-se.
Paguei as Dp.
Faculdade particular.
Eu que pagava mesmo.
Lá vem a H.
Sobe na veia, bate no cérebro.
Over.
Mas acordei.
Péssimo.

(...)

26 anos.
Tem 3 anos que estou preso aqui.
Não meu caro, não estou na cadeia.
Antes fosse.
Reabilitação de drogados.
Preso. Humpf.
É a 5ª vez que eles tem que me caçar na rua pra me trazer de volta.

(...)

30 anos.

Olha.
Sufoco.
Hoje?
Casado.
2 filhos.
Casado com a Boneca de Porcelana.
Se estou feliz?
Não.
Eu gostava da minha vida torta.
Gostava de sair por aí.

31 anos.
Reforma na casa.
Reformando quintal.
A Boneca pediu um jardim japonês.
Futil.
Ela é descendente de alemão.
Ela queria um "mini-templo" budista.
Ela é atéia e eu também.
Só que ela tá se misturando na merda da "high society".
Olho a contrução.
Olha as vigas.
Olho mais acima.
Vejo minha varanda.
Esqueço.
Preguiça, medo.
Medo da dor.
Isso se for doer.
Não sei.
Os meus?
Eles que se fodam.
Pra mim não passam do estereótipo que eu tive que me acustumar a ter.

(...)


Aaaah caro caríssimo.
Mais uma missiva então?
Essa história está longe de acabar, ou talvez não.
Entenda caro caríssimo, você me conhece.
Sabe que eu gosto de tradições.
E como todo bom tradicionalista, eu crio hábitos, tradições a serem seguidas.
Quem sabe assim, seja você que for, se ainda não gosta de ler, se interesse
pelo encanto dos livros.
Mas dessa vez, será mais difícil ter acesso à esse livro.
Por motivos que explico na próxima missiva, ele não estará no meu armário.
Procure com a Boneca. Ela estará com ele.
Aqui vai o trecho.

" -A sua influência é de fato tão má como diz Basílio, Lorde Henry?
  -Não existe influência boa. Toda influência é imoral...
imoral do ponto de vista científico.
  -Por quê?
  Porque influenciar uma pessoa é transmitir-lhe a nossa própria alma.
Ela já não pensa com seus próprios pensamentos, nem arde com as suas paixões.(...) "


Pois é caro caríssimo, livrai-nos de toda influência. Amém.

2 comentários:

  1. Meu caro Mr. Hyde, passo a passo, com suas missivas, você às vezes nos mostra as nossa próprias vidas, nossas angústias e desesperos.

    Fodástico mais uma vez!

    Abraço!

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  2. É mano Hyde, estas missivas estão me aprisionando caoticamente!!!

    um abraço, parabéns,
    não tarde a postar, mas não se apresse, o trabalho tá muito bom!

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